20.2.10

Lendo... Hemingway


Relendo antigos "posts" do meu blogue "O Papa-Léguas", arrebatou-me este lindo pedaço de literatura de Hemingway, que estava a ler na altura. "Por quem os Sinos Dobram" continua hoje, 6 anos passados, a ser para mim um dos melhores romances que jamais li.

Aqui deixo o excerto que seleccionei em 2004:

"(...)Maria era encantadora.
Olha para ela, disse-se. Contempla-a.
E vi-a caminhar alegremente ao sol, com a camisa de caqui desabotoada no pescoço. Caminha como um potro, pensou Jordan. Nunca encontrei ninguém assim. Estas coisas não acontecem na realidade. Mas talvez esteja a sonhar ou talvez me deixe arrastar pela imaginação, pensava ele, e nada tenha acontecido. Lembrava-se de se ter encontrado, em sonhos, na cama, acompanhado de actrizes de cinema que lhe prodigalizavam carícias. Tinha-as possuído a todas e lembrava-se ainda de Garbo e Harlow. Sim, Harlow, tive-a muitas vezes. Talvez ainda sonhasse.
Jordan ainda se lembrava da noite em que Greta Garbo veio para a sua cama, na noite que antecedera o ataque a Pozoblanco; trazia uma macia camisola tecida com uma lã doce e sedosa. Quando ele a abraçava e ela se inclinava, sentia os cabelos a acariciarem-lhe o rosto. E ela perguntou-lhe porque não confessara que a amava, a ela que o amava há tanto tempo. E ela não parecia nem tímida, nem distante, nem reservada. Era a Garbo dos dias de John Gilbert, boa e meiga e era estranho tê-la abraçada contra ele. Era tão verdadeiro como se tivesse acontecido, e amou-a mais que à Harlow embora fosse só uma vez enquanto a Harlow... e talvez o presente não passasse também de um sonho.
Mas talvez não seja, repetiu-se. Talvez Maria seja realidade e possa estender a mão e tocá-la. Ousarias fazê-lo? Perguntou-se. Talvez te desses conta de que nunca aconteceu nada e de que tudo é produto da tua imaginação, como os teus sonhos onde as actrizes de cinema, amigas velhas, vinham deitar-se no teu saco de campanha, por terra, na palha das eiras, nos estábulos, nos corrales e cortijos , nos bosques, nas garagens, nos camiões e em todas as montanhas de Espanha. Vinham todas meter-se no saco de campanha durante o seu sono e todas eram mais gentis do que poderiam ser na realidade. Talvez tenhas medo de tocar em Maria e verificar que é realidade, repetia-se ele. Mas sim, tu tens medo: sonho, imaginação, irrealidade.
Jordan adiantou-se e pousou a mão no braço da rapariga. Sentiu sob os dedos a macieza da carne debaixo do pano da blusa. Maria encarou-o e sorriu.
(...)"


Ernest Hemingway, "Por quem os sinos dobram", Edição Livros do Brasil, pág. 135.

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